Por que nós pensamos nesse objeto?
Não sabíamos explicar muito bem o porquê dos objetos cênicos escolhidos, mas tudo foi se encaixando como um quebra-cabeça no processo.
“Me vieram sensações de descamar o meu eu, até vir a ser o que sou (camiseta e o shorts pretos e mais nada), como sendo minha nudez. Alguns momentos eu quis arrancar, me libertar daquilo. Outros eu corri pra ele com desespero. E ainda, dancei com tal, aceitando-o em mim e comigo. Foi um processo de me aceitar, me reconhecer, encarar o eu, o presente e o redor. Tirar e colocar a máscara.” (23/08).
Esta é uma parte do meu relato na nossa primeira experimentação prática como dupla, onde usamos várias roupas e nos enrolamos nelas durante o Contato e Improvisação.
Foi através dos relatos que entendemos os porquês.
“Roupas são sinônimos de proteção para mim. Proteção no sentido de determinar o que o outro vê de acordo com decotes, comprimento e quais partes são expostas ou não; com relação a ser algo mais chamativo e para quando quero estar mais neutra; proteção com relação ao clima e a contextos sociais, onde determinada roupa irá dizer se estou apta para estar naquele determinado lugar, ou não, de acordo com um padrão; me proteger de julgamentos e dizer se me encaixo em algo; me proteger de olhares desconfortáveis e um dos meios de dizer o que penso, acredito e quero através do que visto.” (15/09) *relatos da Le

Entendemos que as roupas ou parte de tais (fios, tecidos) significam o descamar, retirar e colocar versões de mim, faces; e nosso trabalho fala sobre encontrar nossas profundas camadas em nós mesmos, e nossa nudez diante do outro.
No caminho, fez mais sentido serem fios do que roupas/ tecidos porque não estão prontos e sim, suscetíveis a constantes transformações. Estão abertos, sensíveis e vulneráveis. E podem gerar diversas sensações, emoções, pensamentos e reflexões.
Por que pele?
Desde o começo de nossas práticas houve necessidade de a pele ser um dispositivo também pois nela ficam nossas marcas e sensações; nossa memória e pensamento. Queremos não apenas evidenciá-la neste trabalho, mas que ela dance conosco, como também um terceiro corpo, a partir dos questionamentos: O que é esta pele que me cobre? Como é respirar pela pele? Expandir e dilatarmos por meio dela?
Entendemos que nossa questão é como tornar os novelos uma extensão dos nossos corpos e dos nossos movimentos. E mesmo que estejamos parados ( dupla) há movimento interno em nós dois.
Baseados na leitura de “A Dança” de Klauss Vianna, nós também pesquisamos sobre as diferentes tensões, espaços internos nas articulações e como expandirmos de dentro pra fora.
Durante o processo entramos em outras questões que apareceram no caminho como traumas, memórias do corpo e como expressar assuntos políticos e poéticos através da nossa dança. E isso nos fez perder um pouco nosso foco. Mas entendemos que todas as dúvidas e respostas sempre estiveram diante de nós. Só precisávamos dar atenção a elas.
Um questionamento atrás do outro...
No começo estudamos o gesto e movimentos repetitivos. Nos identificamos com tais mas percebemos que o improviso e o estudo das qualidades do movimento fazem mais sentido para a pesquisa. Pois ela fala sobre o cotidiano e o pensamento contemporâneo, o imprevisível e a falta de controle; sobre o que as situações e as vivências que geram em nós. Não o movimento que gera algo; mas o algo que gera o movimento.
Desde o começo, o chacoalhar, o expandir, o recolher, o torcer, o ceder e o empurrar estão presentes. E no decorrer, ganharam mais potencialidade pras nossas preparações corporais e para a cena.
Começamos a explorar sozinhos pelo chão primeiro. Realizamos muitas vezes o estudo do ceder e empurrar; mudança de tonificação muscular; uso dos apoios e usar o próprio chão como apoio; resistência e a relação do peso referente a gravidade; o deslocamento em plano baixo e a desconstrução a partir do chão (já que estamos cotidianamente a maior parte do tempo em pé e não temos nenhuma relação intencional com o chão, ao ponto até esquecermos dele pela correria da vida e falta de atenção no presente). Ele é uma parte fundamental da nossa pesquisa por tamanha desconstrução que nos gera.

"Ceder para não perder tudo" *frase impulsionadora de uma ex-aluna da Etec
Depois estudamos tudo isso no corpo um do outro. Ceder o peso; sentir a expansão interna e externa, resistir e entregar; separar e juntar; fazer e desfazer. Uma dança, estudo, brincadeira e desconstrução. Uma pesquisa que muda de cara e de forma junto conosco.
Os novelos se tornaram um estudo de impedimento e soltura. Ceder ao que nos trava, soltar o que nos prende. Voltar e recomeçar. E durante todas as experimentações, relacionamos com questões da vida. O que nos prende? O que nos paralisa? O que nos tensiona? Como dançar tensionados e limitados por algo externo e interno ao mesmo tempo?

O que falamos através dos nossos corpos?
O que essa falta de roupa diz?
A escolha do figurino está relacionada com a ideia do fazer e desfazer. Começamos a dança com uma forma e durante ela somos transformados. No fim, um outro algo é feito. E o cobrir e o descobrir da pele e de quem somos; velar e desnovelar. Exposição e vulnerabilidade. Relacionando um corpo potente e surpreendente e ao mesmo tempo imaginário, real, natural e cru.
Por que essa trilha?
A escolha da trilha sonora veio no processo como sugestão do Vico para nossas experimentações práticas. Por ser uma trilha experimental e estimulante, ela potencializa e intensifica nossa intenção da cena.

O que falamos através dos nossos corpos?
Tecidos que usamos no começo do nosso processo
Por que a 304?
Durante nossas práticas experimentamos no pátio, no palco, nos corredores de todos os andares, em todas as salas de corpo, no refeitório e no aquário; mas percebemos que nenhum local cabia nossa dança. Mesmo assim foi necessário passarmos por cada espaço, porque nossa dança se modificou através de cada um.

Após mostrarmos nosso processo aberto, entendemos que quanto menor a sala, mais evidente ficaríamos nela por sermos pequenos e os fios de novelos também. Desta forma, nós três ampliaríamos em volume em foco do público.
"A dança de vocês fala sobre a intimidade dos dois."

-ANASTÁCIO, Luiz. 2022


Entendemos que quanto menor e mais aconchegante for o ambiente, mais será gerado uma atmosfera de intimidade.
Referência quando não sabíamos explicar as "camadas" internas e externas que queríamos pesquisar
Em vários momentos relacionamos nossa pesquisa com elmentos da natureza, como o fluxo da água, o movimento constante da copa das árvores e a profundidade que temos com nós mesmos quando estamos em contato com a natureza
Relação com a natureza....
Relação com a natureza....
Do dia que vi novelos de lã nos galhos das árvores de uma praça do meu bairro
Também vi os novelos nas raízes dessa árvore. Como um fluxo constante de vida.
chat 1
Da tarde que vi essa árvore em movimento (flores caindo) enquanto estava em pausa/repouso
Trilha sonora: Formas
Artista: Divan Gattamorta
A relação que temos com o tônus em nosso trabalho:
ter uma boa consciência do nosso tônus no nosso trabalho tem sido bem importante, porque dependendo da qualidade de movimento, a relação com a tensão muscular muda. Assim como os nós criados pelos fios de novelos, criamos e soltamos nós musculares durante a movimentação.
VIANNA, Klaus. A Dança. São Paulo:Summus, 2005.

"O ritmo do universo é composto de expansão e recolhimento. Somos, também, expansão e recolhimento. Temos todos um ritmo comum e universal, e cada artista, ator ou bailarino precisa atuar respeitando esse ritmo". (p.78)
VIANNA, Klaus. A Dança. São Paulo:Summus, 2005.


"Da mesma forma, também a musculatura precisa de espaço:ela se relaciona com os passos, existe uma troca constante entre essa musculatura e os osso. Tudo no corpo, na vida, na Arte, é uma troca." (p.78)